Se do lado de lá os free shops vivem dias de poucas vendas, no de cá os uruguaios aproveitam a desvalorização do real para fazer compras no agora mais em conta comércio brasileiro.
Quando até os preços dos produtos básicos atingem o bolso do consumidor, a possibilidade de comprar em dólar diminui. E Jaguarão, popular pelo acesso a Rio Branco e seus free shops, sente a diferença. Em vários setores, a economia foi enfraquecida. Na terra hermana, a avenida principal mais parece cena de filmes de faroeste. Com a desvalorização do real, poucos saem ganhando.
Desde 2010, quando inaugurou o hotel onde é gerente, Alessandro Dias Py não testemunhava a atual falta de clientes. Na época, o dólar estava em torno de R$ 1,70 e havia poucas hospedagens para atender a demanda de turistas e consumidores. O empresário e a família reformaram a própria casa e a transformaram em porto para quem vinha de longe comprar em Rio Branco. “Foi um grande investimento”, afirma, sem detalhar cifras. Porém, assim que o dólar passou a R$ 3,60, em julho deste ano, a procura por quartos e apartamentos diminuiu. “Fim de semana sempre lotava”, relata.
Dos 18 cômodos para até 50 pessoas, apenas quatro estão atualmente ocupados. Hoje, 80% dos quartos são preenchidos por viajantes solitários e não famílias, como costumava ser. Em vésperas de feriados, o hotel estaria com lotação máxima. Dentro desta nova realidade, o gerente precisou demitir dois funcionários e é provável que mais um seja desligado.
Na tentativa de manter o quadro de trabalhadores, Alessandro busca alternativas. Horas extras foram cortadas e o cardápio do café da manhã também sofreu ajustes. “Para o feriado do próximo dia 12 (de outubro) estamos com sete quartos agendados. Antes, com dois meses de antecedência já estaríamos lotados. A gente não vê da onde pode melhorar”, desabafa.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Jaguarão (Sindilojas), Valdo Nunes, alega que a frustração dos comerciantes é quase geral. O vice, Eduardo Neves, atenta que em 2002, quando houve a última grande desvalorização do real diante do dólar, ainda não havia free shops em Rio Branco. “A gente não tem dado oficial da quebra, mas sabemos que se perde emprego, pois se perde renda”, afirma. Segundo ele, os uruguaios têm segurado com firmeza as vendas dos jaguarenses - o valor do peso uruguaio está superior ao real.
Quem comemora
A dona de casa Ilda Gomez Caldera, 65, celebra a vantagem. Desde julho costuma ir de Treinta e Três, no Uruguai, a Jaguarão, com o marido, Joseldo Caldera, 65, e o filho Sergio González, 31, apenas para fazer rancho no supermercado. São 125 quilômetros rodados em duas viagens por dia, uma vez por mês, para comprar, principalmente, produtos de alimentação, higiene e limpeza. “Vale muito a pena, está tudo mais barato. Que continue assim”, sorri a dona de casa.
Conforme suas contas, gastariam cerca de cinco mil pesos se fizessem as mesmas compras em terras uruguaias. Em território brasileiro desembolsam 2,5 mil pesos. De acordo com a cotação, um peso uruguaio está valendo R$ 7,30, portanto, Ilda e a família deixam de pagar R$ 686,35 e desembolsam metade, R$ 343,18.
Para o empresário Sérgio Luís Goularte, o período não é de todo lamentável. Proprietário de restaurante, observa que poucos conterrâneos frequentam o local. Entretanto, uruguaios como os Caldera acabam por compensar a freguesia. “Eu não posso reclamar”, garante. Apesar da baixa no número de excursões turísticas, assegura que os 30 anos à frente do comércio lhe deram base para enfrentar momentos de crise. “Quando a moeda oscilou a gente se assustou, mas conseguiu manter equilibrada a situação.”
Fonte: Diário Popular