No início da noite da última terça-feira, Maria Estela Cardoso, 47, foi encontrada morta dentro do seu apartamento, no Village Center. De acordo com a Polícia Civil, a guarda municipal foi morta por asfixia. O corpo de Estela foi encontrado no quarto da residência, caído ao lado da cama. Na cabeça da vítima, a possível “arma” do crime: uma sacola plástica. Utensílio diariamente usado como depósito de lixo. Segundo a Brigada Militar (BM), o cômodo estava totalmente revirado. Para o delegado Rafanhim, a possibilidade é que tenha sido crime passional. A polícia tem dois suspeitos de cometer o feminicídio.
Três horas depois, às 23h30min, Kaua Silva, 19, foi executado com dois tiros, na rua 19, no loteamento Dunas, no Areal. O jovem tinha antecedentes criminais por tráfico de drogas. A Delegacia de Homicídios e Desaparecidos investiga como acerto de contas a morte do rapaz. Ainda não há suspeitos para a autoria do crime.
Fernando Gonzalez, promotor de Justiça aposentado, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), atribui o aumento da violência não só ao recrudescimento do tráfico de drogas - mas também à letargia do Estado e à expectativa de impunidade. Para ele, há um desvalor cultural diante da vida. “É um conjunto de dificuldades. A ausência do poder do Estado nas ruas. A diferença socioeconômica, mas principalmente a banalização da vida. Pessoas sendo tratadas como produto descartável”, comentou.
A professora de Direito da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e mestre em Ciências Criminais Ana Cláudia Lucas, considera que os homicídios em Pelotas - os que se relacionam com o tráfico de drogas -, evidenciam o fracasso da Política de Drogas brasileira. Para ela, a razão do aumento dessa violência é resultado de uma teia, complexa, que não pode ser enumerada de maneira objetiva. Conforme a professora, os números parecem não assustar determinados setores da sociedade, nem mesmo às instâncias formais, porque os vitimizados pertencem, em sua maioria, a uma camada da sociedade pouco ou nada visível. “É como se esses jovens, pobres e em sua maioria negros que estão sendo mortos, tivessem traçado, em algum momento, os seus destinos, e a morte que chega assim, violenta, ‘chega para quem merece’. É como se tivéssemos divididos, na sociedade, em zonas selvagens e zonas civilizadas e, como a maioria que morre pertence às chamadas zonas selvagens, os civilizados não se insurgem com isso. Ao contrário, aplaudem”, disse.
Aumento da violência
Ana Cláudia acrescenta ainda que a corrupção que permeia certas instâncias, a facilidade com que armas são adquiridas, a desestruturação familiar, a ausência de vínculos laborais formais, o afastamento do jovem da escola, a sonegação de direitos individuais e sociais vai contribuir para que a violência de algum modo se instaure.
O Relatório Global sobre Homicídios da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a média em Porto Alegre é de 23,2 homicídios para cada 100 mil habitantes. Pelotas contraria o estudo e dispara com 30 homicídios para 100 mil habitantes. Número preocupante para o chefe da 18ª Delegacia de Polícia Regional (DPR), Márcio Steffens. Segundo o delegado, a violência de uma cidade é avaliada pela quantidade de crimes contra a vida. No entanto, de acordo com ele, a Polícia Civil tem atuado diariamente naquilo que, conforme Steffens, é o causador da violência: o tráfico de drogas. “Na lei deles, as diferenças são resolvidas à bala”, disse.
Segundo o titular da DHD, Félix Rafanhim, do total de vítimas, 59 têm idades entre 14 e 29 anos. O perfil socioeconômico mostra que são moradores da periferia da cidade e têm passagens pela polícia. Conforme Rafanhim, 85% dos assassinatos foram cometidos com arma de fogo. Dos cem homicídios registrados em Pelotas, cinco são considerados feminicídio.
Direta ou indiretamente, a rotina de cerca de 200 mil pelotenses (60% da população) é atingida pelos confrontos em nome de vingança ou manutenção de lucrativas bocas de fumo. São pelo menos sete áreas conflituosas: Navegantes, Dunas, Vasco Pires, Getúlio Vargas, Fragata, Simões Lopes e Pestano.
Para o comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar (4º BPM), tenente-coronel André Luís Pithan, a situação que Pelotas enfrenta é pontual. “A maioria das pessoas que têm morrido, têm ligação com tráfico, acerto de contas e esses crimes mais violentos”, afirma.
O número de pessoas assassinadas há 28 dias do final do ano, é 42,8% maior que o total de homicídios registrados em 2014, quando Pelotas contabilizou 70 assassinatos.
Diário Popular