Fincadas em meio a cenários naturais que incluem campos secos, banhados, marismas, coxilhas e pequenas extensões de mata nativa - formações típicas do Bioma Pampa - as BRs 116 e 392 abrigam em seus leitos mais de três mil espécies de plantas e 600 de aves e mamíferos, sem contar os répteis e anfíbios encontrados somente neste ecossistema, característico da Região Sul do Estado. Apesar dessa explosão de vida, diariamente mais de 12 mil veículos circulam pelas estradas da região sem que seus ocupantes percebam a riqueza natural em volta. Agora, com as obras de duplicação das duas rodovias a pleno vapor, toda essa biodiversidade está sendo redescoberta graças ao trabalho da empresa gaúcha Serviços Técnicos de Engenharia (STE) S.A., responsável pela gestão ambiental dos dois projetos.
Na época em que as BRs 392 e 116 foram construídas, cuidados com meio ambiente não estavam dentre as preocupações do governo, o que acabou impedindo a mensuração dos impactos das duas obras nos ecossistemas atingidos. Hoje a realidade é outra e para uma obra de infraestrutura rodoviária ser licenciada é preciso realizar um Estudo de Impacto Ambiental e um respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), conforme a resolução 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Desde 2004, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) vem analisando as ações necessárias para mitigar ou compensar os impactos ambientais previstos para os empreendimentos na Zona Sul.
Atualmente, 18 programas direcionados à BR-392 e outros 20 voltados à 116 ajudam a controlar os impactos ambientais das obras no entorno da BR-116. Com este monitoramento, as equipes responsáveis pelo acompanhamento de fauna e da flora ajudam a garantir a sobrevivência de centenas de espécies. É o caso da engenheira florestal Aline Ceolin, membro do grupo fiscalizador da flora na BR-116, entre Pelotas e Guaíba. Segundo ela, o objetivo da equipe é minimizar ao máximo possíveis impactos, limitando o desmatamento às áreas estritamente necessárias para a duplicação da rodovia. O processo inclui o transplante de espécimes de plantas protegidas por lei - como jerivás e xaxins -, além da execução de plantio compensatório.
Cuidados especiais
Desde o início das obras na BR-116 em 2012, mais de 3,8 mil espécies de plantas foram transplantadas. Em média, 76% das árvores replantadas sobreviveram ao processo, enquanto o índice de sucesso relacionado às epífitas - plantas que vivem sobre outras, sem retirar nutrientes - fica na faixa dos 62%. No caso dos animais, resgates e translados para áreas distantes da intervenção também são comuns. No início de 2015, um bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) - atropelado em dezembro do ano passado próximo ao município de Barra do Ribeiro, distante 220 quilômetros de Pelotas - foi devolvido à natureza após receber tratamento no Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
O animal, inserido na categoria vulnerável da lista de espécies ameaçadas do Rio Grande do Sul e do Brasil, foi identificado por funcionários da construtora Constran - responsável pela duplicação do trecho em questão - e resgatado pela equipe de gestão ambiental da STE. O coordenador da equipe de monitoramento da fauna, biólogo Guillermo D’Ávila, explica que determinar o efeito das rodovias na composição, na riqueza e na abundância de mamíferos, aves, répteis e anfíbios do entorno dos empreendimentos está dentre as funções das equipes. No entanto, as consequências da intervenção só poderão ser efetivamente medidas a longo prazo.
Enquanto isso, algumas iniciativas previstas nos projetos prometem proteger a fauna de possíveis acidentes. Exemplo disso são as 20 passagens instaladas ao longo da BR-392, junto a telas direcionadoras ou isoladoras, impedindo o deslocamento sobre a rodovia. No caso da 116, cujas obras ainda estão no começo, a construção de pontes, viadutos, bueiros e dutos de drenagem deverá permitir a travessia de animais com segurança, evitando o atropelamento e a morte de espécimes. “Já que a obra é necessária para o conforto do homem, que cause o menor impacto possível na natureza.”
O que foi encontrado
Até o momento, 25 espécies de mamíferos, 29 de anfíbios, 33 de répteis e 220 de aves foram identificadas pelas equipes de monitoramento de fauna da STE. O número não significa que estas sejam as únicas existentes na região. Dos registros de mamíferos, oito são classificados como espécies ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul: gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), lontra (Lontra longicaudis), veado-virá (Mazama guazoubira), bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans), cutia (Dasyprocta azarae), gato-maracajá (Leopardus wiedii), quati (Nasua nasua), gato-mourisco (Puma yagouaroundi) e tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla).
Dentre as aves, caminheiro-grande (Anthus nattereri), veste-amarela (Xanthopsar flavus), noivinha-de-rabo-preto (Xolmis dominicanus), coleiro-de-brejo (Sporophila collaris), pica-pau-dourado (Piculus aurulentus), boininha (Spartonoica maluroides), pavó (Pyroderus scutatus) e corocoxó (Carpornis cucullatus), estão ameaçadas de extinção. Por enquanto, nenhuma das espécies de anfíbios e répteis identificadas nas BRs 392 e 116 correm risco de extinção, apesar dos répteis serem muito perseguidos pela população. “Menos de 4% dos répteis encontrados na região são venenosos, o que não justifica o extermínio desses animais”, afirma o biólogo Gustavo Wallwitz, integrante da equipe de monitoramento e especialista em répteis.
Espécies exóticas de mamíferos e anfíbios também foram registradas durante as pesquisas realizadas em campo. Nos mamíferos destaque para o chital (Axis axis), a lebre-europeia (Lepus europeus) e o java-porco (Sus scrofa). Com relação aos anfíbios, a presença da rã-touro, comum na América do Norte, preocupa pelo grande caráter predatório da espécie. “É o tipo de animal que come de tudo, incluindo outras rãs. É preciso critério na hora de soltar qualquer bicho na natureza, pois isso pode desequilibrar todo um ecossistema”, assegura a bióloga Fernanda Oliveira, responsável pelo monitoramento dos anfíbios.
Biodiversidade
Atualmente, existem mais de 120 mil espécies de animais e 40 mil de plantas no Brasil. Entre os vertebrados, são 713 espécies de mamíferos, 1.900 de aves, 738 de répteis, 934 de anfíbios, 4.774 de peixes e outras 100 mil de animais invertebrados. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é o órgão federal responsável por cuidar da biodiversidade brasileira. Seguindo a atual legislação ambiental e acordos internacionais de proteção, o objetivo é praticamente zerar o risco de extinção de espécies ameaçadas até 2020, com melhoras significativas na situação de conservação daquelas que estão em declínio ou em alguma categoria de risco. Você encontra a lista de espécies ameaçadas no site www.icmbio.gov.br.
FONTE: DIÁRIO POPULAR