Quando Ivan Gonçalves passou pela primeira vez pelo portão da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ministro Francisco Brochado para lecionar Matemática, não sabia o tamanho do desafio que o esperava. Era fim de 2013. Os índices de aprovação dos alunos estavam inferiores a 50% no 6º e 7º ano. O ano letivo de 2014 prometia ser longo e de muitas dificuldades. Com 30 anos dedicados ao magistério no Ensino Médio, pela primeira vez o professor se deparava com turmas de Ensino Fundamental. De imediato sentiu que precisava rever seus conceitos se quisesse melhorar a qualidade do serviço educacional prestado à comunidade. Mesmo com adversidades - como problemas na estrutura física da escola -, a vontade de mudar foi maior e virou combustível para criação do projeto Matematicando, tô Ligado!.
Dois anos depois do início dos trabalhos, no início deste mês de dezembro, o professor Ivan venceu a categoria 6º ao 9º ano do Prêmio Professores do Brasil, promovido pelo Ministério da Educação (MEC) com apoio do Conselho dos Secretários de Estado da Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
O objetivo do projeto Matematicando... foi tornar a disciplina mais prazerosa aos estudantes. O Diário Popular foi até a escola para entender como isto foi possível. E bastou conversar rapidamente com alunos para perceber alguns dos diferenciais da iniciativa. "A gente não conhecia matemática desse jeito", comenta Roberta Medeiros, 15. "Ele explica tudo de um jeito que parece mais fácil", conclui Isadora Caetano, 13.
Eles foram desafiados a resolver problemas, trocar ideias com os colegas, observar ao seu redor, ler sobre a evolução da Matemática, conhecer curiosidades, reaproveitar o lixo eletrônico, entre outras atividades. O projeto melhorou significativamente os índices de aprovação, chegando a quase 100%.
No começo foram envolvidos quase 50 estudantes. Com o início das aulas, os mesmos alunos passaram a ministrar oficinas para turmas de graduação inferiores. Logo, mais da metade da escola participava de alguma forma do processo de aprendizagem.
A ideia e o resultado do trabalho foram enviados para comissões julgadoras do prêmio. Concorreram cerca de dez mil projetos de todo o país.
Dedicação
A premiação reuniu 30 professores finalistas de várias partes do Brasil. Outros três docentes do Rio Grande do Sul chegaram à grande final e a Escola Estadual Anselmo Luigi Piccoli, de Bento Gonçalves, também foi reconhecida como destaque regional no Prêmio Gestão Escolar.
O "Professor do Brasil" foi recepcionado por familiares, colegas de profissão e o prefeito na chegada à cidade. Além do dinheiro e do certificado, a escola de quase 250 alunos localizada no trecho de chão batido da rua Gumercindo Saraiva ganhou uma placa com os dizeres "Aqui trabalha um professor premiado" para ser instalada na frente do prédio.
Mérito alcançado com muita dedicação. "Foi um trabalho coletivo abraçado pelos professores das outras disciplinas", comenta Ivan.
Ao longo da carreira, ele já venceu outros quatro prêmios nacionais, incluindo um criado pela gigante da tecnologia Microsoft. O sucesso do docente é motivo de orgulho para a diretora Roberta Marzullo. Segundo ela, a devoção dele ao trabalho é contagiante. "Diferentemente de alguns que gostam de deter o conhecimento, ele faz questão de compartilhar."
Para o coordenador da 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Antônio Carlos Brod, o reconhecimento nacional comprova a autoqualificação do quadro de docentes estaduais independentemente da atual conjuntura. "Os professores continuam atuando com afinco e este destaque é muito bom para a rede." Além de ser incentivo para as equipes que querem desenvolver projetos diferentes.
Para tirar as ideias do papel, poucos foram os problemas enfrentados na hora de montar o grupo, segundo a diretora Roberta. Mas a grande dificuldade para fazer dar certo foi a falta de estrutura da escola. Em várias salas o assoalho possui buracos tapados com cimento. O sistema elétrico não comporta muitos equipamentos, como ares-condicionados. Parte da cobertura está caindo e não há acessibilidade para alunos com deficiência.
As demandas de reforma foram encaminhadas ainda em 2013 à Secretaria Estadual de Educação. Lá o projeto ficou parado por mais de dois anos. Em entrevista ao Diário Popular, o coordenador da 5ª CRE afirmou que o assunto foi retomado, o processo redimensionado e reencaminhado como uma das prioridades no último dia 7 de dezembro. As obras programadas contemplam parte elétrica, cobertura, pavimentação e acessibilidade nos banheiros.
Agora, o documento tramita na Coordenadoria Estadual de Obras Públicas. O valor total ainda não foi orçado, mas deve ser apresentado nos próximos dias. "O pedido está tramitando a pleno e estamos cobrando", garantiu o coordenador.
BOX
As etapas do Prêmio Professores do Brasil
1ª fase: os professores enviaram os trabalhos, que foram julgados por uma banca examinadora estadual.
2ª fase: cada unidade da federação indicou seis professores, um para cada categoria: Creche, Pré-escola, Ciclo de Alfabetização, 4º e 5º ano, 6º ao 9º ano e Ensino Médio.
3ª fase: os indicados de cada Estado disputaram o destaque regional, onde foi eleito um por categoria. O Rio Grande do Sul teve quatro indicados, Santa Catarina um e Paraná um.
4ª fase: um professor de cada categoria venceu o destaque nacional - prêmio conquistado por Ivan.
BOX
Papo reto com o professor Ivan
Diário Popular - O senhor tem 48 anos, 30 dedicados ao magistério e este é seu quinto prêmio nacional. Como este caminho foi traçado e qual o significado deste último reconhecimento?
Ivan Gonçalves - Tudo é uma caminhada. Como dizia Paulo Freire, "A caminhada se faz caminhando". A gente realmente teve muita dificuldade nesse percurso. Desde o tempo da formação. Vim de uma família extremamente humilde. Casei com 17 anos. Tenho duas filhas e passei por momentos difíceis. Não foi fácil, mas eu sempre tive muita perseverança. Sempre tracei objetivos, metas e planejei onde queria chegar. Dificuldades fazem parte do percurso. Já fui diretor de escola, secretário de educação, secretário de planejamento municipal, passei por grandes desafios e superei com muita vontade, determinação e paciência. Tudo tem seu tempo. A caminhada é longa, mas esse prêmio é um começo. Eu acho que é um sinal de que estamos indo pelo caminho certo.
DP - E sobre ser reconhecido em uma escola pequena (são 250 alunos), na periferia da cidade...
IG - Foi uma grande satisfação porque esta escola infelizmente é uma escola estadual que tem sérios problemas de estrutura física. Nossos alunos não têm uma quadra esportiva, não têm um auditório, não têm atividades culturais. A gente tem que transformar o limão em uma limonada. Então talvez o gosto de ganhar este título aqui tenha sido uma satisfação maior do que em outras. Aqui, a gente conseguiu formar uma equipe. Uma família. É um trabalho de formiguinha, a longo prazo. A educação não acontece da noite para o dia.
DP - Como o senhor vê a função do professor neste contexto? É muito difícil fazer a diferença neste meio?
IG - Não acho que seja tão difícil quando a gente faz o que gosta. O trabalho do professor muitas vezes é muito anônimo, solitário. A gente sempre tem que procurar mostrar o trabalho e envolver mais pessoas. Quando o trabalho é feito de forma coletiva, fica muito mais fácil. O que torna difícil, por exemplo, é quando tu trabalhas com teu salário parcelado. Ou quando tu não sabes se vais receber o teu 13º, nem quando vais receber, nem como vais receber. Essa insegurança é muito ruim para a escola, é muito ruim para a educação. O mais fácil para um professor é pensar: "bom, o cara vai fingir que me paga eu vou fingir que vou trabalhar também". É difícil, mas eu sempre digo para os meus colegas que se a gente tem que vir pra cá trabalhar, por que não trabalhar em um ambiente alegre e que faça a gente se sentir bem? Eu parei de me queixar há alguns anos. Depois que parei de reclamar da vida as coisas começaram a melhorar. Bastante. A diferença se faz com trabalho.
DP - O que é preciso para ser esta diferença?
IG - É preciso ter estrutura física adequada, mas precisamos ter no mínimo segurança para trabalhar. O professor não saber se vai receber ou não... Isso é uma vergonha, e é horrível. Então pra tu fazeres um trabalho coletivo, é muito difícil. Aqui na escola graças a Deus nossa resistência é quase zero. O grupo é muito, muito bom.
DP - Qual deve ser o próximo passo?
IG - Eu gosto de trabalhar e educador não tem muitas escolhas. Gosto do projeto e precisamos continuar. Sou motivado por natureza. É um trabalho de formiguinha. Um trabalho diferente. Quero ir até o fim. Pretendo me aposentar aqui. Este ano tenho muito a agradecer a Deus. Tô muito feliz, contente e realizado.
BOX
O Projeto
Para tirar do papel a ideia de tornar o aprendizado e o entendimento da Matemática mais acessível aos alunos, foi preciso mobilizar a escola. Assim, o professor Ivan criou o projeto Matematicando, tô Ligado!, onde a interação, prática e o processo interdisciplinar fizeram a diferença.
Em suas aulas, Ivan instigou a construção de jogos como Tangram, Geoplano, Resta um, Disco de Frações, Torre de Hanoi, Ábaco, entre outros que possuem relação específica com conteúdos previstos.
O ato de jogar convocou o raciocínio lógico-matemático dos alunos e a produção de jogos apresentou diferentes situações-problema para acionar conhecimentos matemáticos - relativos a medição, geometria, operações etc - na busca de soluções.
A partir daí, todo mundo se envolveu. Em Educação Física, dimensões de quadras poliesportivas foram estudadas. Na Geografia foi feito estudo das regiões do mundo em que a Matemática surgiu para resolver problemas do cotidiano de diferentes povos. Em História, os alunos puderam pesquisar com familiares como era o ensino da Matemática em outras décadas. Em Artes foram feitas maquetes com a utilização de diferentes escalas.
O trabalho proporcionou aos alunos a compreensão de que a Matemática está no cotidiano da humanidade desde os primórdios das civilizações até hoje. Observando a relação com outras áreas do saber e a presença nas diferentes esferas da vida, os alunos ampliaram seus conhecimentos sobre os diferentes usos e propósitos do conteúdo.
Diário Popular