O aumento nos indicadores criminais têm sentido no Presídio Estadual de Jaguarão (PEJ), instalado no Centro Histórico e ao lado da Ponte Internacional Mauá. O prédio com capacidade para 56 presos é o primeiro bem binacional tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Patrimônio Cultural do Mercosul. Lá, no entanto, vivem - apertados - 125 homens e quatro mulheres. Se o espaço é insuficiente para comportar a quantidade de presos, a falta de agentes penitenciários e de recursos para lidar com os mais de 100 detentos é realidade no PEJ.
Há um ano, a cela feminina está interditada. Com capacidade para oito presas, a cadeia chegou a abrigar 17 e desde então não recebe novas detentas. Recentemente o Ministério Público (MP) pediu ao Judiciário para o Presídio Estadual de Jaguarão deixar de recolher mulheres, já que não tem infraestrutura adequada para isso. "É só uma cela, sem condições de mantê-las aqui. Além disso, é uma maneira de liberar a peça para desafogar o lado masculino", avalia a promotora Cláudia Pegoraro.
No prédio histórico do século 19, as amplas peças desaparecem em meio à superlotação da Unidade. Triliches de madeira e varais dividem espaço destinado a - no máximo - dez detentos, mas ocupado, em média, por 23 em cada uma das quatro celas. Lá, o cárcere não tem portões e sim grades, o que caracteriza ainda a precariedade do local. As grades são responsáveis pela entrada de luz e ar fresco nas quatro celas. Em dias frios, os presos costumam cobrir o espaço com cobertores para evitar a entrada do ar gelado. Devido à falta de luminosidade e à umidade do local, a proliferação de doenças é ainda maior.
A Polícia Civil prefere não comentar sobre as investigações, mas revela que já se percebe a chegada de integrantes de grupos criminosos no Presídio de Jaguarão por conta do sistema de transferência de apenados de outras localidades. O diretor do PEJ, Jaques da Rosa Machado, diz que alguns tentam recrutar os detentos, mas sem sucesso.
Com auxílio do Judiciário, a direção do PEJ adquiriu telas de proteção para evitar arremessos de materiais ilícitos (Fotos: Carlos Queiroz)
Mesmo com a liberação do uso - controlado - da maconha no país vizinho, o tráfico internacional tem força nessa região. "O que a gente tem visto é o grande fluxo de pessoas com grandes quantidades de drogas, principalmente maconha, que tentam passar para o Uruguai, mas acabam sendo presas antes mesmo de chegar na cidade (Jaguarão). Normalmente essas pessoas têm ligação com organizações criminosas da capital e, sendo identificadas, pedimos a transferência imediata", explicou Machado.
Em julho, 11 presos do regime aberto receberam o benefício da tornozeleira eletrônica, mas, segundo o MP, alguns preferem não progredir de regime para não precisar usar o equipamento que controla os passos dos presos. "Eles não querem porque tem um raio definido de circulação", contou a promotora. Embora o pequeno porte da penitenciária, a reincidência dos presos é de 70%.
Investimentos
Desde 2015, quando a atual gestão assumiu a direção do Presídio Estadual de Jaguarão, o governo do Estado enviou R$ 70 mil à Unidade. A quantia, porém, foi insuficiente para aquisição de câmeras de videomonitoramento para garantir a segurança na penitenciária e da tela de proteção estendida no pátio para evitar arremessos de materiais ilícitos. A medida ocorreu através de parceria entre Judiciário e Ministério Público. Por ser tombado, o prédio em que funciona o presídio não pode sofrer alterações com obras de ampliação.
Promessa de um novo presídio
Há dez anos - desde a primeira publicação da série Encarcerados - a promessa dos governos estadual e municipal de um novo endereço para o presídio não saiu do papel. Em outubro de 2015 a Susepe chegou a se reunir com a prefeitura de Jaguarão, mas de lá para cá nada foi acertado. Na época, a superintendente da Susepe, Marli Stock, apresentou projetos ao prefeito e mostrou alguns detalhes do modelo do novo presídio, que seria de média segurança e com cerca de 286 vagas para o regime fechado.
Preso há dois anos, detento foi estuprado diversas vezes por colega de cela (Fotos: Carlos Queiroz)
Preso por abusar de duas crianças foi estuprado no presídio
“Eu tô aqui injustamente.” Afirma, de imediato, com sotaque enrolado, o pai de santo uruguaio recluso há dois anos no Presídio Estadual de Jaguarão, acusado de estuprar dois irmãos. Em conversa com o Diário Popular, *José, 39, garante que está cumprindo pena por crimes que não cometeu. De acordo com o preso, a acusação se deu por conta de um trabalho religioso que não deu certo. *José teria sido chamado pelo pai das crianças, que pretendia reconquistar a ex-mulher, mãe dos menores. “Eu não entendo minha condenação, o que fizeram comigo é uma forma de punição porque o que ele desejava não deu certo.” Para o Ministério Público não há dúvidas em relação à consumação e à autoria dos fatos. “As duas crianças contaram detalhes assustadores”, disse a promotora Cláudia.
Desde que chegou ao presídio, *José foi estuprado diversas vezes por um colega de cela que, por conta do comportamento, acabou transferido para outra penitenciária. Homossexual e filho de policial uruguaio, ele diz que sofreu preconceitos pela orientação sexual e por conta do artigo em que foi enquadrado. “Hoje trato de levar a minha vida de maneira tranquila. Tenho respeito por todos, assim como quero que tenham comigo.”
Perfil
Mais da metade dos presos possui o Ensino Fundamental incompleto; representam 54,2% da população carcerária de Jaguarão. Presos com o Ensino Médio completo totalizam 4%. Em função da falta de infraestrutura, programas educacionais foram suspensos. Detentos com idades entre 18 e 29 anos representam 30,4% do total.
Escolaridade
Ensino Fundamental incompleto: 54,2%
Ensino Médio completo: 3,1%
Alfabetizados: 3,8%
Analfabetos: 6,9%
Ensino Fundamental completo: 6,2%
Ensino Médio incompleto: 4,6%
Idade
18 a 24 anos: 12,4%
25 a 29 anos: 18%
30 a 34 anos: 13,9%
35 a 45 anos: 18%
46 a 60 anos: 10,8%
Acima de 60 anos: 2,3%
FONTE: DIÁRIO POPULAR