O assunto desperta além de preocupação, confusão. Na diretoria do HCC, as informações se desencontram na fala de seus componentes. De acordo com o assessor jurídico da instituição, Marcelo Mota, a partir desta quarta não serão feitas novas internações na UTI e, caso a situação não se normalize até o dia 4 de março, será iniciada a remoção dos pacientes para unidades que tenham disponibilidade de recebê-los. Já o diretor-técnico Felipe Muller prefere não confirmar os prazos. Ocorre às 19h desta quarta, segundo Muller, a eleição da nova direção do hospital e, para amanhã, uma reunião com todo corpo médico para discutir os rumos do HCC. “Enquanto não formos notificado pelo chefe da UTI vamos seguir trabalhando. Acredito que após a eleição haverá o posicionamento oficial, mas de fato, sem os pagamentos acontecerá o fechamento da unidade e do PS no dia 4 de março.”
Caso confirmada a medida, o município perde dez leitos e nove médicos na UTI e 14 plantonistas do PS, do único hospital da cidade. A dívida com estes profissionais é de, pelo menos, R$ 704 mil, já que a folha de pagamento mensal gira em torno de R$ 176 mil. E este pode ser apenas o começo do problema. Sem respostas do governo e com recebimento de repasses irrisórios, como o que ocorreu em dezembro de 2015, quando a entidade recebeu apenas R$ 4 mil dos R$ 985 mil encaminhados mensalmente pelo Estado, a crise deve se espalhar por outros setores do hospital. “Estamos trabalhando devido à solidariedade dos médicos, por isso não temos como saber nem qual nem quando irá parar outro setor”, diz Mota.
Apesar de não ter recebido nenhum comunicado até o momento, a secretária de saúde de Pelotas, Arita Bergmann, já anuncia que a cidade não tem capacidade para abarcar os atendimentos de urgência de Canguçu. Arita afirma que a situação é complicada, mas que os hospitais têm conseguido funcionar plenamente dentro da realidade do município, por isto o encaminhamento de mais um local seria inviável para a estrutura pelotense.
A expectativa é de que no dia 15 de março aconteça a quitação de duas das quatro folhas de pagamento dos médicos e plantonistas do HCC. O que não é o suficiente, como afirma Muller, mas aliviaria a crise que se anuncia. Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual da Saúde (SES), através da assessoria de Comunicação, não confirmou a existência deste futuro repasse.
A entidade está desde de dezembro de 2015 sob o decreto de calamidade hospitalar, anunciada pela prefeitura de Canguçu. O HCC é referência para seis municípios e 90% dos seus atendimentos são feitos via Sistema Único de Saúde (SUS). No período, a instituição não tinha verba para compra de medicamentos e manutenção de demais serviços.
Atendimento pleno também é incerteza em Piratini
Um dos principais municípios que tem auxiliado Canguçu no que diz respeito ao recebimento de pacientes, Piratini também anuncia sua preocupação com a precarização do atendimento. Para suprir a demanda da UTI do HCC, por exemplo, a cidade já está descartada pois não possui a unidade no Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição. Com reservas financeiras suficientes para três meses, o diretor executivo Laerto Farias tenta manter o otimismo em meio às preocupações. “Estamos contando que a situação seja normalizada nos próximos dois meses, porque depois disso passará a ser complicado manter 100% do trabalho na instituição.”
Os encaminhamentos de pacientes entre as unidades também está entrando para a lista de problemas do hospital de caridade. Hoje, são 132 leitos que oferecem uma folga no trabalho e supre a demanda local, mas Farias prevê que as vagas, em pouco tempo, não serão mais suficientes para cobrir o fluxo da região.
A última esperança
É a possibilidade de liberação de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à Santa Casa de Misericórdia de São Lourenço do Sul, que mantém a unidade otimista quanto ao futuro. Com o projeto de solicitação do recurso praticamente finalizado, o provedor do hospital, José Ney Lamas diz faltar apenas encontrar um agente financeiro que aceite ser parceiro da instituição para encaminhar o pedido ao banco. Sem a quantia que deve ser solicitada, mas que ainda não está definida, Ney é enfático. “Sinceramente? Só Deus sabe. A cada minuto tomamos decisões difíceis para tentar evitar o que já está anunciado” Não é à toa que o provedor diz não ver soluções ao seu alcance. Com um rombo de R$ 12 milhões nas finanças, daqui para frente, em uma data não determinada, os serviços serão restringidos a atendimentos de urgência e emergência.
A folha salarial também preocupa. No momento, o quadro de funcionários está com o salário em dia e os médicos estão com os honorários atrasados há um mês. A situação, no entanto, é instável e não se tem como prever a longo prazo, diz Ney.
Uma conta que não fecha
Se de um lado os Hospitais Filantrópicos e Santas Casas anunciam os problemas estruturais e dívidas que ultrapassam os R$ 1,4 bilhão em todo o Rio Grande do Sul, do outro, o governo do Estado nega a existência do problema. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), há inclusive um saldo positivo com o HCC acontecendo até mesmo repasses em outubro e novembro de 2015 no valor de R$ 116 mil. O problema estaria, de acordo com o órgão, na divergência entre o número de atendimentos via SUS que o hospital diz fazer e a quantia que recebe do Estado. O diretor-técnico do HCC discorda da colocação e diz que a entidade recebeu no final do ano R$ 1,7 milhão mas referentes a uma consulta popular de 2014 e que se torna irrisório perto da dívida de R$ 10 milhões, desconfirmada pela SES.
Os cálculos ficam confusos também em Piratini. Segundo Farias, a União está devendo ao hospital novembro e dezembro de 2015 e o Estado está atrasado com dezembro e janeiro. No mês passado aconteceu o último repasse do governo, que foi de 70% da parte federal.
De acordo com a Secretária de Saúde de Pelotas, Arita Bergmann, o governo estadual também está em débito com o município. O repasse feito neste mês foi referente a novembro. Em São Lourenço, a verba também chegou em fevereiro mas também totalizando 70% do valor.
A SES divulgou que um total de R$ 51 milhões foram encaminhados para ser dividido entre os hospitais, clínicas e laboratórios que atendem pelo SUS no Rio Grande do Sul. É um valor referente ao teto de média e alta complexidade de janeiro deste ano, que é repassado do governo federal ao estadual.
As entidades também afirmam não terem recebido as duas primeiras parcelas da negociação das dívidas anunciadas pelo governador José Ivo Sartori (PMDB). O parcelamento em 24 vezes de R$ 12.155.156,01 teria começado em janeiro de 2016 e iria até dezembro de 2017.
Confira a situação dos municípios da Zona Sul
Dívida do fundo municipal de saúde de Canguçu
Em 2014: R$ 605.216,20
Em 2015: R$ 659.241,67
Dívida do fundo municipal de saúde de Pelotas
Em 2014: 5.067.259,77
Em 2015: 3.155.125,67
Dívida do fundo municipal de saúde de São Lourenço do Sul
Em 2014: 1.336.035,63
Em 2015: 735.958,60
Dívida do fundo municipal de saúde de Rio Grande
Em 2014: 1.970.819,50
Em 2015: 1.641.660,74
Dívida do fundo municipal de saúde de Jaguarão
Em 2014: 571.908,18
Em 2015: 258.063,00
Dívida do fundo municipal de saúde de Capão Leão
Em 2014: 162.395,70
Em 2015: 123.729,42
Total da dívida com os municípios
Em 2014: 174.889.178,67
Em 2015: 116.834.565,58
Fonte: Famurs